quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Personificação do misto entre Cápsulas & Letras

Falar de Cápsulas atreladas a Letras é quase que sinônimo de falar do nosso grande poeta e farmacêutico Carlos Drummond de Andrade, e é por isso que o segundo post do blog é uma homenagem a este homem que teve sua vida dedicada a cura física,como farmacêutico que foi, e a cura emocional como poeta, como poesia que é remédio para os corações apaixonados, remédio para os corações partidos.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, MG, no ano de 1902 e veio a falecer no Rio de Janeiro no ano de 1987. Formou-se em Farmácia, em 1925. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções, pelos quais ganharia fama que persiste até os dias de hoje.
No artigo "O Homem e o Medicamento" publicado na Jornal do Brasil na década de 80,Drummond retrata as relações entre as doenças, os medicamentos e a posição "psicodependente" que a sociedade tem perante a doença, o remédio e a cura. 
Apesar de o artigo ter sido publicado na década de 80, pode ser facilmente confundido como que redigido ontem. 

O Homem e o Medicamento 



“ULTIMAMENTE venho sendo consumidor forçado de drágeas, comprimidos, cápsulas e pomadas que me levaram a meditar na misteriosa relação entre a doença e o remédio. Não cheguei ainda a conclusões dignas de publicidade, e talvez não chegue nunca a elaborá-las, porque se o número de doenças é enorme, o de medicamentos destinados a combatê-las é infinito, e a gente sabe o mal que habita em nosso organismo, porém fica perplexo diante dos inúmeros agentes terapêuticas que se oferecem para extingui-lo. E de experiência em experiência, de tentativa em tentativa, em vez de acertar com o remédio salvador, esbarramos é com uma nova moléstia causada ou incrementada por ele, e para debelar a qual se apresenta novo pelotão de remédios, que, por sua vez…
De modo geral, quer me parecer que o homem contemporâneo está mais escravizado aos remédios do que às enfermidades.
Ninguém sai de uma farmácia sem ter comprado, no mínimo, cinco medicamentos prescritos pelo médico ou pelo vizinho ou por ele mesmo, cliente. Ir à farmácia substitui hoje o saudoso hábito de ir ao cinema ou ao Jardim Botânico. Antes do trabalho, você tem de passar obrigatoriamente numa farmácia, e depois do trabalho não se esqueça de voltar lá. Pode faltar-lhe justamente a droga para fazê-lo dormir, que é a mais preciosa de todas. A conseqüente noite de insônia será consumida no pensamento de que o uso incessante de remédios vai produzindo o esquecimento de comprá-los, de modo que a solução seria talvez montar o nosso próprio laboratório doméstico, para ter à mão, a tempo e hora, todos os recursos farmacêuticos de que pode necessitar um homem, doente ou sadio, pouco importa, pois todo sadio é um doente em potencial, ou melhor, todo ser humano é carente de remédio. Principalmente, de remédio novo, com embalagem nova, propriedades novas e novíssima eficácia, ou seja, que se não curar este mal, conhecido, irá curar outro, de que somos portadores sem sabê-lo.
Em que ficamos: o remédio gera a doença, ou a doença repele o remédio, que é absorvido por artes do nosso fascínio pela droga, materialização do sonho da saúde perfeita, que a publicidade nos impinge? Já não se fazem mais remédios merecedores de confiança? Já não há mais doentes dignos de crédito, que tenham moléstias diagnosticáveis, e só estas, e não, pelo contrário, males absurdos, de impossível identificação, que eles mesmos inventaram, para desespero da Medicina e da farmacopéia?
Há laboratórios geradores de infecções novas ou agravadores das existentes, para atender ao fabrico de drogas destinadas a debelá-las? A humanidade vive à procura de novos males, não se contentando com os que já tem, ou desejando substituí-los por outros mais requintados? Se o desenvolvimento científico logrou encontrar a cura de males tradicionais, fazendo aumentar a duração média da vida humana, por que se multiplicam os remédios, em vez de se lhe reduzirem as variedades? Se o homem de hoje tem mais resistência física, usufrui tantas modalidades de conforto e bem-estar, por que não parar de ir à farmácia e a farmácia não pára de oferecer-lhe rótulos novos para satisfazer carências de saúde que ele não deve ter?
Estou confuso e difuso, e não sei se jogo pela janela os remédios que médicos, balconistas de farmácia e amigos dedicados me receitaram, ou se aumento o sortimento deles com a aquisição de outras fórmulas que forem aparecendo, enquanto o Ministério da Saúde não as desaconselhar, e não sei, já agora, se deve proibir os remédios ou proibir o homem. Este planeta está meio inviável”.
Carlos Drummond de Andrade



Artigo disponível em:
http://farmacovigilanciablog.com

                                                                                                                              ISVM=*
      

Um comentário: